É exatamente esse o foco do poema “SOFOTULAFAI”, do escritor Abgar Renault, poema que explica o título do projeto “Tudo de palavras é composto”. A principal ideia do projeto é resgatar obras de importantes escritores barbacenenses através de pesquisa, para que essas sejam analisadas e divulgadas, além da busca por possíveis relações dos poemas com a cidade de Barbacena, a cidade dos autores. Para isso, baseia-se em obras como Poesia completa de Abgar Renault e Com quantos tolos se faz uma República?.
Talvez por conta do processo de globalização, traços importantes da cultura local são deixados de lado, abrindo as portas às culturas estrangeiras. Assim, escritores realmente importantes acabam quase desconhecidos por grande parte da população, como Abgar Renault, Correia de Almeida, Honório Armond e Ivan Angelo (principais escritores estudados no projeto), o que faz com que as pessoas não tenham contato com belíssimas obras. Percebe-se então o quanto é importante conhecê-los.
Abgar de Castro Araújo Renault, nascido em Barbacena (1901), foi educado em Belo Horizonte. Foi professor, poeta, ensaísta e tradutor e fez parte da Academia Brasileira de Letras. Foi Deputado Estadual por Minas Gerais e exerceu os cargos de secretário da Educação do Estado de Minas Gerais, destacando-se por incentivar a educação no meio rural, e também de Ministro da Educação e Cultura. Faleceu no Rio de Janeiro em 1995.
José Joaquim Correia de Almeida nasceu em Barbacena em 1820 e viveu boa parte dos momentos históricos mais importantes do século XIX, especialmente a transição da monarquia para a república. Foi padre e poeta, escrevendo poemas satíricos e críticos contra a escravidão e denunciando o autoritarismo do novo governo republicano. Faleceu na cidade natal, em 1905.
Honório Armond nasceu em Barbacena em 1891. Eleito o “príncipe dos poetas mineiros”, foi poeta em português e francês, além de professor e tradutor. Faleceu em 1958.
Ivan Ângelo, nascido em Barbacena em 1936, recebeu dois prêmios Jabuti (o mais importante prêmio literário do Brasil) e atua até hoje como jornalista, cronista e romancista. Atualmente reside em São Paulo, onde escreve crônicas para a revista Veja São Paulo desde 1999.
O poema de Renault que deu origem ao título do projeto é de certa forma metalinguístico, uma vez que fala das palavras, do poeta e do poema em si. Na primeira parte, o autor fala sobre como ele imagina o estado de tudo na ausência do poeta. De acordo com ele, as coisas sairiam de ordem, reinaria a completa bagunça.
“Quando me sumo na total ausência [...]
Mil invisíveis cousas misteriosas
Talvez ocorram sobre o chão, pelo ar,
Nas salas, sobre as mesas, nas estantes,
Alpendres, pianos, geladeiras, rosas. [...]
De súbito, o que é meu fica sem dono,
E uma sutil disponibilidade
Todas as cousas lança em liberdade
E todas muda em sua posição [...]
No início da segunda parte do poema, Observa-se que o poeta parece estar vivendo uma espécie de sonho, em que o lápis ganha vida e conversa com ele.
“- Que faz o lápis sobre a mesa em pé?
- Prossigo o que traçava a mão robusta
Que me sustinha há pouco [...] ”
A partir de então, o autor começa a falar das palavras, de sua importância, de como elas devem estar unidas para a formação de um significado, além de mostrar que o homem não vive sem elas.
"Nutrem-se os homens de palavras, comem
Milhões de verbos e substantivos,
Tal o seu pão de cada dia ou hora”.
“- Vida é ordem; a ordem é a palavra,
Que forma imprime ao pensamento e ao mundo.”
- Sem ela, a vida fora desvestida
Os seus únicos sons seriam iguais
Na terra surda, amorfa e sem consciência.”
Na parte final do poema, Abgar utiliza-se de termos aparentemente sem nexo, provavelmente para reforçar a ideia de desordem.
"Destilo sem o mínimo artifício
E mando todo aquele que não me ame
Outrossim, adimplir e pastifício, Radagázio, nenhures e vexame.
Agílimos isótopos pulavam
Os carrilhões unívocos ladravam
As noites sob as luas caminhavam
As aliterações levavam lâmpada
Para alumiar a antiga estampa da
Cidade vista atrás de um horizonte. [...]”
Talvez pelo mesmo motivo, o autor escolheu como título do poema, uma palavra completamente desconhecida, Sofotulafai.
Observa-se que o poema conta com rimas em algumas partes e a maioria dos versos é decassílaba.
Leticia Galdino
Aluna voluntária do projeto de iniciação científica "'Tudo de palavras é composto': vida e obra de escritores barbacenenses"
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