terça-feira, 10 de setembro de 2013

Padre-Mestre Correia de Almeida - vida e obra (1)


José Joaquim Correia de Almeida, nascido em 4 de setembro de 1820, na vila de Barbacena, é o primeiro dos escritores barbacenenses sobre os quais falaremos em nosso projeto. Filho do major Fernando José de Almeida, um dos que solicitaram a elevação do Arraial da Igreja Nova da Borda do Campo à categoria de vila ao visconde de Barbacena, então governador da capitania das Minas Gerais, Correia de Almeida iniciou seus estudos ali mesmo. Porém, antes dos quinze anos de idade, mudou-se para São João Del Rei, com o objetivo de realizar os estudos preparatórios necessários para o ingresso nas academias do Império.
Correia de Almeida cresceu e foi educado em um momento notável da história do país. Nesse período, a atmosfera política brasileira estava muto movimentada, devido à recente proclamação da Independência do Brasil.
Esse foi um ambiente propício para o desenvolvimento de uma literatura nacional, construída com base nos ideais de liberdade que dominavam a Europa, ocasionados principalmente pela Revolução Francesa, no fim do século XVIII. Era o início do Romantismo em terras brasileiras. Obviamente, o jovem padre foi influenciado por esse clima que, apesar de revolucionário, não rompeu totalmente com a tradição clássica (pelo menos não na primeira metade do século XIX), que ainda era ensinada nas escolas e considerada literatura erudita. Porém, nesse contexto pré-romântico, as formas clássicas deixaram de ser uma obrigação, tornando-se uma questão de escolha, preferência de cada escritor. [1] A poesia satírica, gênero adotado por Correia de Almeida, era característica do século anterior, mas ainda teve seu prestígio na época do poeta, que se considerava "sectário da antiga escola do século que passou". [2]
Em 1841, Correia volta a Barbacena e inicia os estudos sacerdotais. Seu mestre era Joaquim Camilo de Brito, um vigário um tanto quanto revolucionário, que se dedicou mais à carreira política do que à eclesiástica. Pode-se concluir que o futuro Padre Mestre Correia também adquiriu esse espírito rebelde, devido à falta de maior rigor em sua preparação para a vida sacerdotal. Foi ordenado padre em 3 de março de 1844, realizando sua primeira missa em 21 de abril do mesmo ano, em Barbacena. Apesar de ser um grande defensor da moral cristã, "possuidor de um profundo sentimento religioso", como diz a pesquisadora Maria Marta Araújo no livro Com quantos tolos se faz uma república?: Padre Correia de Almeida e sua sátira ao Brasil oitocentista, obra base de nosso estudo sobre o autor, nunca foi de fazer discursos ou pregar sermões. Escreveu:

"- Não te demoras na Igreja,
quando o orago se festeja!
Pois não gostas de sermão?!
- Se ser mão sempre assim é,
Senhor Padre Capelão,
eu antes quero ser pé!"

"Sabeis, meu Padre Cura,
que vos dera Jesus este árduo e grão preceito:
- predicai o Evangelho a toda a criatura!
E é tanto o vosso jeito,
Que mártir há de ser cristão que vos atura!"

"Há seus bons três quartos de hora
Frei Soeiro está no altar,
e o pecador que a Deus ora
não se pode levantar!
Só porque diz um Missão,
o padre cumpre a missão?" [3]

Preferia condenar os costumes e excessos de sua sociedade através do uso da ironia, motivo pelo qual era um partidário da sátira, assim como vários outros clérigos, fato interessante de se observar. Por servir como meio não só de indicar, mas de corrigir os males sociais e políticos, sempre presentes em todas as sociedades de todas as épocas, a sátira é um gênero que não se torna ultrapassado, conservando seu espaço no século XIX, principalmente na imprensa, apesar de perder sua popularidade a partir da segunda metade do Oitocentos. A veia moralizante do gênero satírico explica a sua adoção por vários padres mineiros, entre eles Correia de Almeida, que, segundo Camilo Castelo Branco, famoso escritor português, tinha "mais confiança no epigrama que no Sermão da Montanha; e que, tendo de escolher companheiro de missão preferia Juvenal a S. Paulo". [4]
A divulgação literária nesse período era feita principalmente pelos periódicos em circulação no país. Por essa razão, é muito difícil separar literatura de imprensa e política quando se consideram as primeiras décadas do século XIX. Os jornais e revistas eram os principais cultores de ideias revolucionárias, sendo os textos literários, portanto, muito influenciados por esse meio, ocorrendo então a quebra de padrões estéticos clássicos (o soneto, por exemplo), o que, acreditava-se, limitava a liberdade dos autores. No período do Arcadismo, imediatamente anterior, isso servia como uma "fôrma" de produzir poemas, que não permitia a completa expressão dos sentimentos e ideias, principalmente dos novos ideais oitocentistas, ponto essencial para os escritores românticos. Escreveu Correia de Almeida, em 1858:

"Ser bom poeta é facílimo;
o ponto está em achar-se
o segredo de imitar-se,
sob a capa do disfarce,
o que os outros disseram,
o que os outros fizeram.

[...]

Faria logo um soneto,
em que rimasse memória
naturalmente com glória,
com história e com vitória;
por que assim contemplo
de Bocage exemplo."

Nesse contexto, o padre Correia começa a escrever poemas satíricos para diversas publicações, que mais tarde, em 1854, seriam reunidos no primeiro volume de Sátiras, epigramas e outras poesias. Mais sobre a carreira do autor será apresentado nos próximos textos que serão publicados neste blog.


Daniel Nepomuceno Coutinho
Aluno  bolsista do projeto de iniciação científica "'Tudo de palavras é composto': vida e obra de escritores barbacenenses" - Currículo Lattes



[1] ARAÚJO. Com quantos tolos se faz uma república?: Padre Correia de Almeida e sua sátira ao Brasil oitocentista. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007, p. 74, 75. 
[2] Idem, p. 41, extraído de ALMEIDA. Sensaborias métricas ou versos piegas, v. 1, p. 6.
[3] Idem, p. 38, extraídos de ALMEIDA. Sátiras, epigramas e outras poesias, v. 6, p. 60-61 e ALMEIDA. Sátiras, epigramas e outras poesias, v. 7, p. 65.
[4] Idem, p. 40, extraído de CASTELO BRANCO. Cancioneiro alegre de poetas portugueses e brasileiros, v. 1, p. 167.


domingo, 2 de junho de 2013

Introdução ao projeto (2) - Leticia Galdino

Palavras são imensamente poderosas. Mesmo que, às vezes, sozinhas, pareçam sem sentido, quando juntas, elas têm o poder de nos fazer rir e chorar, machucar e consolar, condenar e inocentar. São capazes de mudar opiniões, transmitir ideias, mexer com os mais profundos sentimentos e emoções. Palavras são a base de tudo, a força de tudo. No entanto, o que seria delas se não fossem os poetas, profundos estudiosos da alma? Aqueles que organizam palavras, de modo a encantar tantas pessoas?
É exatamente esse o foco do poema “SOFOTULAFAI”, do escritor Abgar Renault, poema que explica o título do projeto “Tudo de palavras é composto”. A principal ideia do projeto é resgatar obras de importantes escritores barbacenenses através de pesquisa, para que essas sejam analisadas e divulgadas, além da busca por possíveis relações dos poemas com a cidade de Barbacena, a cidade dos autores. Para isso, baseia-se em obras como Poesia completa de Abgar Renault e Com quantos tolos se faz uma República?.
Talvez por conta do processo de globalização, traços importantes da cultura local são deixados de lado, abrindo as portas às culturas estrangeiras. Assim, escritores realmente importantes acabam quase desconhecidos por grande parte da população, como Abgar Renault, Correia de Almeida, Honório Armond e Ivan Angelo (principais escritores estudados no projeto), o que faz com que as pessoas não tenham contato com belíssimas obras. Percebe-se então o quanto é importante conhecê-los.
Abgar de Castro Araújo Renault, nascido em Barbacena (1901), foi educado em Belo Horizonte. Foi professor, poeta, ensaísta e tradutor e fez parte da Academia Brasileira de Letras. Foi Deputado Estadual por Minas Gerais e exerceu os cargos de secretário da Educação do Estado de Minas Gerais, destacando-se por incentivar a educação no meio rural, e também de Ministro da Educação e Cultura. Faleceu no Rio de Janeiro em 1995.
José Joaquim Correia de Almeida nasceu em Barbacena em 1820 e viveu boa parte dos momentos históricos mais importantes do século XIX, especialmente a transição da monarquia para a república. Foi padre e poeta, escrevendo poemas satíricos e críticos contra a escravidão e denunciando o autoritarismo do novo governo republicano. Faleceu na cidade natal, em 1905.
Honório Armond nasceu em Barbacena em 1891. Eleito o “príncipe dos poetas mineiros”, foi poeta em português e francês, além de professor e tradutor. Faleceu em 1958.
Ivan Ângelo, nascido em Barbacena em 1936, recebeu dois prêmios Jabuti (o mais importante prêmio literário do Brasil) e atua até hoje como jornalista, cronista e romancista. Atualmente reside em São Paulo, onde escreve crônicas para a revista Veja São Paulo desde 1999.
O poema de Renault que deu origem ao título do projeto é de certa forma metalinguístico, uma vez que fala das palavras, do poeta e do poema em si. Na primeira parte, o autor fala sobre como ele imagina o estado de tudo na ausência do poeta. De acordo com ele, as coisas sairiam de ordem, reinaria a completa bagunça.

“Quando me sumo na total ausência [...]
Mil invisíveis cousas misteriosas
Talvez ocorram sobre o chão, pelo ar,
Nas salas, sobre as mesas, nas estantes,
Alpendres, pianos, geladeiras, rosas. [...]
De súbito, o que é meu fica sem dono,
E uma sutil disponibilidade
Todas as cousas lança em liberdade
E todas muda em sua posição [...]
No início da segunda parte do poema, Observa-se que o poeta parece estar vivendo uma espécie de sonho, em que o lápis ganha vida e conversa com ele.

“- Que faz o lápis sobre a mesa em pé?
- Prossigo o que traçava a mão robusta
Que me sustinha há pouco [...] ”

A partir de então, o autor começa a falar das palavras, de sua importância, de como elas devem estar unidas para a formação de um significado, além de mostrar que o homem não vive sem elas.

"Nutrem-se os homens de palavras, comem
Milhões de verbos e substantivos,
Tal o seu pão de cada dia ou hora”.

“- Vida é ordem; a ordem é a palavra,
Que forma imprime ao pensamento e ao mundo.”
- Sem ela, a vida fora desvestida
Os seus únicos sons seriam iguais
Na terra surda, amorfa e sem consciência.”

Na parte final do poema, Abgar utiliza-se de termos aparentemente sem nexo, provavelmente para reforçar a ideia de desordem.
"Destilo sem o mínimo artifício
E mando todo aquele que não me ame
Outrossim, adimplir e pastifício, Radagázio, nenhures e vexame.
Agílimos isótopos pulavam
Os carrilhões unívocos ladravam
As noites sob as luas caminhavam
As aliterações levavam lâmpada
Para alumiar a antiga estampa da
Cidade vista atrás de um horizonte. [...]”
Talvez pelo mesmo motivo, o autor escolheu como título do poema, uma palavra completamente desconhecida, Sofotulafai.
Observa-se que o poema conta com rimas em algumas partes e a maioria dos versos é decassílaba.


Leticia Galdino
Aluna voluntária do projeto de iniciação científica "'Tudo de palavras é composto': vida e obra de escritores barbacenenses"

Introdução ao projeto (1) - Daniel Coutinho


O projeto de Iniciação Científica "'Tudo de palavras é composto': vida e obra de escritores barbacenenses" foi idealizado com o objetivo de trazer à população de Barbacena uma oportunidade de conhecer mais sobre a contribuição da cidade para a literatura brasileira. Orientado pela professora de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais - Câmpus Barbacena, Lidia Moreira, o projeto consiste na pesquisa e no estudo da biografia e das obras de quatro escritores barbacenenses, que serão apresentados mais adiante,  e na apresentação dos resultados neste blog. 
O título do projeto foi retirado de um poema do escritor barbacenense Abgar Renault,  chamado Sofotulafai (1971). Nele, o eu lírico imagina o que acontece em seu escritório enquanto não está presente. Todos os objetos, naturalmente inanimados, como canetas, papéis etc., começam a se mover e agir por conta própria. Durante os momentos de ausência do poeta, as coisas fogem de seu controle.

"Durante os ocos, fúnebres instantes
ou nas noturnas horas sem sentido
em que tudo de mim está vazio,
rompe-se a ligação do velho fio;"

A ideia principal do texto é a de que as palavras estão vivas, em todos os lugares, compondo todas as coisas. Os objetos - papéis, dicionários, lápis - continuam o trabalho de fazer poesia mesmo sem a presença do poeta. 

"Ponderosas borrachas a dançar;
parlam canetas lépidas no chão,
abraçadas a lápis amorosos;
avulsas folhas de papel carbono
despertam, na gaveta, do seu sono,
revoam e misturam-se pelo ar
com papel branco e azul mata-borrão;
e neles riscam seus sinais cianosos."

Esse é um poema metalinguístico, pois trata do método poético (um poema que fala sobre fazer poemas). Foi feita uma pesquisa sobre o significado de seu título, mas nada foi encontrado até agora a respeito disso. 
Os quatro escritores barbacenenses estudados neste projeto são: Padre Correia de Almeida (1820-1905), poeta satírico que fazia críticas ao Brasil do fim do século XIX; Honório Armond (1891-1958), "o príncipe dos poetas mineiros", foi escritor, professor e tradutor; Abgar Renault (1901-1995) ocupou a cadeira número 12 da Academia Brasileira de Letras, foi Deputado Estadual por Minas Gerais e Secretário da Educação do mesmo estado; Ivan Ângelo (1936-), jornalista, cronista e romancista, escreve para a revista Veja São Paulo desde 1999. Em breve serão feitas apresentações mais detalhadas de suas biografias neste blog.
Poucos conhecem a fundo o trabalho desses autores cujas origens são tão próximas às nossas. Esperamos que haja um interesse maior dos barbacenenses pelas obras de seus conterrâneos através de nosso projeto.


Daniel Nepomuceno Coutinho
Aluno  bolsista do projeto de iniciação científica "'Tudo de palavras é composto': vida e obra de escritores barbacenenses" - Currículo Lattes